Boniteza de mulher

Amparo Caridade - pesquisadora mentora

Corpo jovem, bonito, sarado, são ideais postos à mulher não apenas como valor mas como obrigação, pelo paradigma segundo o qual envelhece e fica feio quem quer. Artimanha da indústria da beleza que nos envolve com promessas de beleza e felicidade fácil. Uma felicidade pensada para o lado de fora do sujeito, aparência, casca de nós mesmas. Por que a mulher topa projetos de embelezamento que são cruéis, que escondem uma sub-vida imersa em seus métodos? Para tornar-se desejável certamente. Embora mais desejável talvez por seu corpo que pela pessoa que é. Ao submeter-se ao dever de ser bonita, ela parece buscar algo em si, mesmo que por vias desviantes. Nesse modelo não se trata de aceitar o corpo, mas de corrigi-lo e reconstituí-lo para que seja belo. Submetendo-se a isto, a mulher busca no corpo uma verdade sobre si mesma. Talvez tente realizar-se através de seu corpo, não em sua existência.

Aí ela faz de seu corpo um  lugar de salvação. O canto da sereia  induz a pensar que podemos ser belas e felizes. Temo as conseqüências dessa promessa mágica. Temo que isso engane nossa via de acesso à boniteza que se esconde em cada uma de nós, para além de nossos corpos.

Porque mulher tem que caber em manequim “P”? Fazer isso pode resultar numa felicidade, também tamanho ”P”. A corrida pelo visual e pelo rejuvenescimento deve estar a serviço de atenuar o medo do envelhecer e morrer. O corpo vai sendo plasmado então para escamotear a finitude e ir garantindo uma parca ração de auto-estima. É sempre mais fácil mudar algo no corpo que em nós mesmas. É curioso que, no amplo universo dos produtos “light” que o mercado oferece, nada indica que, além de ser magra a mulher precisa ser “leve”. Há magrezas ambulantes que desfilam pesando toneladas. Almas sem vocação para o lúdico. Pessoas até jovens, mas desbotadas de vida, magras, como manda o figurino, mas obesas no espírito. Manequins para serem vistos e consumidos. É isso que basta à Sociedade do Espetáculo. Ela pede corpos bonitos, não belas pessoas. A auto-estima vira coisa de visual, de boa aparência. Opera-se uma redução do belo, ao agradável de se ver, que serve ao ver e  consumir.

É preciso identificar de que beleza se fala quando se está norteado por idéias enquadradas em padrões que só levam em conta o exterior. O que é mesmo beleza? Penso em algo que se esconde dentro da gente e que, somado ao corpo cuidado, fica deslumbrante. Magia da junção do fora com o mais dentro de nós mesmos. Graça refletida no exterior. O corpo é apenas o lugar onde essa beleza se deixa ver. Uma boniteza que vem de dentro, que não desfila em palcos de Narcisos encantados. Essa boniteza é percebida num quase espanto, por outros olhares que, flechados pelo sentido, deixam-se atingir na própria interioridade. Bela, pode ser então, aquela mulher distraída quando não se sente observada, entregue a algo que faz, pensa, lê ou cantarola. Inteira, sem pretensões. Cabelos soltos, pernas pro ar, só a boniteza da verdade de si aparecendo. Professor Janilton citando Dufrenne diz que: “o objeto belo me fala e ele só é belo se for verdadeiro”. Persigo aqui essa verdade da beleza que buscamos.

Beleza tem sido um termo maltratado em nossos discursos. Adriana Falcão num  Dicionário de Palavras ao Vento diz:  “Belo é tudo o que faz os olhos pensarem que é coração”. Ficamos longe da beleza quando pensamos em tê-la apenas em sua exterioridade. Escondida de si, a mulher não percebe que nos seus recantos simples e até tristes pode esconder-se a verdade mais íntima, portadora também de grande beleza. Não é o sujeito que envelhece. Envelhecemos no corpo, sob o olhar dos outros, sob o efeito de seus discursos, sob a incapacidade de verem o brilho nos olhos. Boniteza de mulher aparece é nesse brilho.  

Cuidar do corpo e de si são metas desejáveis. Enquanto seres do cuidado, nós mulheres devemos pensar em cuidar da vida, do mundo, do planeta. Talvez investir menos nas modelações corporais e nos prepararmos devidamente para ocupar mais  espaços na política, e assim podermos  cuidar melhor do social. Isso supõe preparo e maturidade. Vamos pois à luta pelo que nos torna belas de fato. Da agonia de nós mesmas vamos emergir com mais verdade e beleza para cuidarmos da vida, do social, da humanidade, do mundo do planeta.
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Fonte: Diário de Pernambuco, 08/03/. Enviado pela própria autora.