Enfrentar a velhice e a doença crónica

 

Beja Santos

 

Em Portugal, segundo os dados disponíveis, aproximadamente 88 por cento das pessoas com mais de 65 anos sofre pelo menos de uma doença crónica e 21 por cento apresentam incapacidades do mesmo tipo. As doenças crónicas caracterizam-se pela longa duração, por afectarem profundamente a vida dos indivíduos e a intervenção médica visa mais o controlo dos sintomas do que a sua cura.

 

A estas doenças atribui-se uma pesada responsabilidade pelo progressivo desequilíbrio dos sistemas de saúde devido ao apoio continuado e à absorção de grande percentagem dos recursos disponíveis. Quando surge a doença crónica é imperioso reconstruir a vida, adoptar estratégias específicas para lidar com os sintomas, ajustando a vida e as relações sociais às novas limitações. Nasce aqui um problema novo nas sociedades contemporâneas que é o paradoxo de exaltarmos a realização pessoal e o triunfo do indivíduo entregando os doentes crónicos ou à exclusão social ou à dependência por vezes inconformada dos outros.

 

Em “Enfrentar a velhice a doença crónica” (Cadernos climpesi de saúde nº1, Climepsi Editores, 2007), Liliana Sousa, Álvaro Mendes e Ana Paula Relvas analisam as repercussões da doença crónica nas diferentes áreas da sua existência no seio da família e o programa proFamílias- Programa de Apoio a Doentes Crónicos e suas Famílias, considerado modelar por facilitar a adaptação familiar à doença crónica através da integração das componentes médica, social e psicológica.

 

Este programa proFamílias foi desenvolvido e implementado no Hospital Infante D. Pedro, em Aveiro, com doentes com acidente vascular cerebral e no Centro Regional de Oncologia de Coimbra do Instituto Português de Oncologia, com doentes oncológicos. Segundo os autores este programa é passível de, com algumas adaptações, ser alargado a outras doenças crónicas, uma vez que todas colocam às famílias desafios e necessidades de adaptação comuns.

 

Mudou o olhar científico sobre a relação entre a família e a doença crónica. Onde outrora era privilegiada a relação entre a doença e o sistema de saúde, agora a família ou rede social é o incontornável recurso do doente. O acontecer a doença crónica, o sofrimento repercute-se em toda a família. Os autores observam os impactes processuais e emocionais da doença crónica na família e a inter-relação família/ paciente/ profissionais de saúde. Grande parte das doenças crónicas exigem um bom conhecimento da tipologia psicossocial e o modo como se intervém. Recorde-se que a asma é uma doença aguda em que a família necessita de informação, conhecer os factores de risco e vencer a culpabilidade e na fase crónica deve poder ajudar a prevenir potenciais factores de risco. No caso da SIDA é preciso aprender com os outros a reajustar relações sociais, profissionais e familiares, na fase de crise e manter a qualidade de vida e cumprir os protocolos de tratamento, na fase crónica.

 

A adaptação da família pressupõe o conhecimento do sistema de crenças e como saber intervir com compreensão e no contexto relacional entre os profissionais de saúde das diferentes áreas. Os autores, a propósito dos doentes crónicos analisados, esclarecem os dois principais tipos de acidente vascular cerebral, as principais características destas doenças, referem os tipos de cancro e as respectivas incapacidades.

 

O proFamílias baseia-se na evidência de que uma doença crónica grave afecta os membros da família, contribuindo para que a unidade familiar saiba intervir com os instrumentos mais eficazes, gerindo dificuldades, superando os sentimentos contraditórios e reduzindo o stress. Os objectivos deste programa são os seguintes: permitir a adaptação saudável de uma família à doença crónica; assegurar, da parte dos serviços de saúde, cuidados humanizados, centrados na qualidade de vida do doente e da família; responder às necessidades dos profissionais de saúde que enfrentam diariamente os limites do seu tempo e energia.

 

A família aprende a conviver com a doença, a adaptar-se ao ambiente hospitalar, a manter ou criar uma rede social de apoio, a reorganizar identidade da família e activar os recursos emocionais, dando um significado à doença que permita uma sensação de competência.

 

Este programa inclui quatro modalidades (grupos psicoeducativos de discussão multifamílias para doentes em fase de crise da doença; grupos psicoeducativos para doentes em fase de doença crónica; grupos psicoeducativos para doentes em fase de crise/ crónica da doença; grupos psicoeducativos para familiares em fase de crise/ crónica da doença. Ensinam-se os procedimentos com as famílias interessadas em participar, a estrutura do programa, a condução das sessões e as actividades.

 

O proFamílias, concluem os autores, é um protocolo que se mostra eficaz e está preparado para ser incorporado em serviços de apoio psicossocial. Oferece aos participantes um espaço no qual se sentem à vontade para falar de um problema comum: a doença. O principal ganho da participação no proFamílias é o encontro de famílias que partilham sentimentos e dificuldades. Ao nível institucional o proFamílias não representa custos acrescidos, exigindo apenas a existência de dois psicólogos. Pode ter até efeitos na redução dos custos, visto que: diminui as dúvidas em relação à doença e tratamentos, aumentando a adesão aos tratamentos; diminui os níveis de stress, evitando consultas adicionais por problemas associados; e evita disfuncionamentos familiares; aumenta a colaboração da família com a equipa de saúde.

 

O envelhecimento bem sucedido é outro dos resultados que cumpre destacar. O proFamílias tem especial impacte em famílias com doentes crónicos idosos ou em idosos jovens que constituem a maioria dos participantes. A crença que as pessoas idosas têm dificuldade em mudar leva os profissionais de saúde a dedicar-lhes menos tempo, sendo certo que o bom desempenho familiar irá contribuir para que os doentes crónicos possam garantir a sua autonomia e continuidade.

 

Tudo somado, quando a doença emerge como mais  um elemento da vida familiar pode revelar-se uma função positiva no seio de todos, pois, como disse um doente “A doença em si não traz nada de bom mas faz com que algumas situações positivas que estão escondidas durante situações normais se tornem visíveis”.

 

Obra indispensável em todas as associações que se preocupam com o envelhecimento activo e onde se cuidam doenças crónicas.      

 

Nota da redação Portal: Clique neste link para ler o artigo completo, já publicado no Portal

http://www.portaldoenvelhecimento.net/download/intervencaopsicoeducativa.ppt#1

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Fonte: Notícias da Amadora, PT, Edição 0073 - 2007-03-15. Acesso no dia 16/03/2007.

http://www.noticiasdaamadora.com.pt/nad/artigo.php?aid=8671