Mistura de remédios pode ser letal


Jane E. Brody


A morte de Libby Zion, uma estudante colegial de 18 anos, em um hospital de Nova York em 5 de março de 1984 levou a uma batalha jurídica muito divulgada e criou uma causa célebre sobre a falta de supervisão de jovens médicos inexperientes e com excesso de trabalho. Mas só muito depois os especialistas localizaram a doença evitável que aparentemente levou à morte de Zion: uma espécie de intoxicação por drogas chamada síndrome de serotonina.


Zion, que foi para o hospital com febre de 39 graus, estava tomando um antidepressivo prescrito, a fenelzina (Nardil). A combinação de fenelzina com o analgésico narcótico meperidina (Demerol) que lhe deram no hospital poderia elevar o nível de serotonina em circulação a níveis perigosos.


Quando ela ficou agitada, um sintoma da toxicidade da serotonina, e tentou arrancar seus tubos intravenosos, foi contida e a tensão muscular resultante teria feito sua febre subir para temperaturas letais.


Hoje, com um enorme aumento no uso de antidepressivos que intensificam a serotonina, muitas vezes tomados em combinação com outras drogas que também aumentam esses níveis, especialistas em medicina de emergência estão tentando educar médicos e pacientes sobre essa doença não tão rara e potencialmente mortal. Em março de 2005, dois desses especialistas, os doutores Edward W. Boyer e Michael Shannon do Hospital Infantil de Boston, notaram que mais de 85% dos médicos "não conheciam a síndrome de serotonina como diagnóstico clínico".


Em sua resenha no "The New England Journal of Medicine", Boyer e Shannon citaram um relatório baseado em ligações para centros de controle de intoxicação em todo o país em 2002, mostrando 7.349 casos de intoxicação por serotonina e 93 mortes. (Em 2005, último ano de que há estatísticas disponíveis, foram relatadas 118 mortes). Os especialistas temem que a incapacidade de reconhecer a síndrome de serotonina em suas fases brandas ou iniciais pode resultar em tratamento inadequado e num agravamento repentino da condição, levando a doença grave ou morte. Ainda mais importante, na esperança de evitá-la, eles querem que os médicos e pacientes saibam exatamente quais drogas e suas combinações podem causar uma intoxicação por serotonina.


Mudança de diagnóstico


A síndrome de serotonina foi descrita pela primeira vez na literatura médica em 1959, em um paciente com tuberculose que foi tratado com meperidine. Mas a condição só recebeu seu nome atual em 1982.


Reconhecer os primeiros sinais é difícil porque ela tem sintomas variáveis, que podem ser facilmente confundidos com condições menos sérias e que incluem tremor, diarréia, alta pressão sanguínea, ansiedade e agitação. O médico que faz o exame pode considerar os primeiros sintomas como inconseqüentes e pode não pensar em relacioná-los a terapia com drogas, comentaram Boyer e Shannon.


Em sua forma clássica, a síndrome de serotonina envolve três categorias de sintomas:

 

  • Sintomas cognitivos-comportamentais, como confusão, desorientação, agitação, irritabilidade, falta de reação e ansiedade.

  • Sintomas neuromusculares como espasmos musculares, reflexos exagerados, rigidez muscular, tremores, perda de coordenação e arrepios.

  • Sintomas do sistema nervoso autônomo, como febre, suor profuso, batimento cardíaco rápido, aumento da pressão sanguínea e pupilas dilatadas.

 

A ignorância generalizada da síndrome é outro empecilho ao diagnóstico. Mas mesmo quando os médicos a conhecem os critérios estritos de diagnóstico podem descartar "o que hoje é conhecido como estágios leves, precoces ou sub-agudos da doença", escreveram os autores.


Aumentando o desafio do diagnóstico há o fato de que um grande número de drogas - prescritas ou vendidas sem receita, recreativas e herbáceas - podem provocar a síndrome.

 

Além de inibidores de reabsorção de serotonina seletivos como Zoloft, Prozac e Paxil e inibidores de reabsorção de serotonina/norepinefrina como Effexor, a lista inclui antidepressivos e IMAOs (inibidores da monoamina oxidase); analgésicos narcóticos como fentanil e tramadol; remédios para tosse e resfriado vendidos sem receita que contêm dextrometorfan; o anticonvulsivo valproato; triptanos como Imitrez usados para tratar e evitar enxaqueca; o antibiótico Zyvox (linezolida); drogas antináusea; a droga L-dopa contra a doença de Parkinson; a droga Meridia (sibutramina) para perda de peso; lítio; os suplementos dietéticos triptofano, erva-de-são-joão e ginseng; e várias drogas ilícitas, como ecstasy, LSD, anfetaminas, os alucinógenos foxy methoxy e arruda da Síria.


Embora a intoxicação por serotonina possa ser causada por uma overdose de antidepressivos, é mais comum ela resultar de uma combinação de um SSRI ou IMAO com outra substância que potencializa a serotonina. Os pacientes que correm maior risco, segundo alguns especialistas, são os que tomam combinações de drogas antidepressivas e antipsicóticas, às vezes prescritas para tratar a depressão resistente. Pode bastar mais uma pequena dose de outra droga indutora de serotonina para causar a síndrome.


Um paciente de 45 anos, em Boston, estava tomando quatro medicamentos para tratar a depressão quando teve uma cirurgia no tornozelo, em dezembro passado. Ele desenvolveu vários sinais clássicos da síndrome de serotonina quando estava na sala de recuperação, onde lhe aplicaram fentanil quando o anestésico perdeu o efeito.


Segundo sua mulher, ele subitamente apresentou tremores violentos e começou a bater os dentes. Foi levado para a unidade de terapia intensiva, onde se debateu, não reconheceu os que o cercavam e teve de ser contido para não arrancar os tubos. Duas semanas depois ele continuava na UTI e ainda muito confuso, apesar de terem sido suspensos todos os remédios que poderiam ter causado os sintomas.


A síndrome de serotonina pode ocorrer em qualquer idade, incluindo idosos, bebês e até em cães. Desde
1998, o Centro de Controle de Intoxicações da Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade com os Animais recebeu mais de mil relatos de ingestão de antidepressivos por cachorros, que podem desenvolver os sintomas rapidamente e morrer. A síndrome também pode ocorrer semanas depois da suspensão de uma droga que eleva os níveis de serotonina.


Algumas drogas permanecem ativas no corpo durante semanas, e as IMAOs anulam uma enzima envolvida no metabolismo da serotonina que só se recupera semanas depois de as drogas serem suspensas.


Prevenção e tratamento


A maioria dos casos de síndrome de serotonina são leves e podem ser resolvidos em 24 horas. Mas se o médico não os reconhecer e prescrever uma grande dose de um potencializador de serotonina ou outra droga com esse efeito, as conseqüências podem ser rápidas e graves.


O mais importante para evitar a síndrome é que os pacientes dêem a seus médicos uma lista completa das drogas que tomam regularmente - incluindo as recreativas e suplementos dietéticos - antes que o médico prescreva alguma coisa nova.


Na verdade, se você está tomando qualquer uma das drogas descritas acima, deve se perguntar se uma nova prescrição é segura. E quando for comprar uma nova prescrição também pode perguntar ao farmacêutico se é seguro ingerir o medicamento com os outros remédios que você toma.

 

Quando a síndrome se desenvolve, o primeiro passo é parar com as drogas agressoras. É crucial buscar tratamento imediato, de preferência em um hospital. A maioria dos casos exige apenas o tratamento dos sintomas como agitação, pressão alta e febre.


Os casos mais severos são tratados com drogas que inibem a serotonina e sedação química. Boyer e Shannon advertiram contra o uso de restrições físicas para controlar a agitação, porque podem provocar contrações em músculos isométricos que causam um severo acúmulo de ácido láctico e um aumento da temperatura do corpo que pode ser fatal.

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http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2007/03/02/ult574u7299.jhtm