Museu tipo exportação

Museu tipo exportação
Família Scalione, no início do século XX
Fonte: acervo do Museu da Pessoa 

Mariana Hansen ([email protected])

Em 1991, nasceu em São Paulo (SP) o Museu da Pessoa, para contar a história da sociedade brasileira com vozes não escutadas anteriormente. A idéia era não só promover a inclusão social dessas pessoas, mas revisar valores e padrões protegidos pela prerrogativa de que “sempre foi assim”. Dezesseis anos depois, já exportou sua metodologia para Portugal, Estados Unidos e Canadá.

Nas palavras de Oliver Sacks, “cada pessoa é única: suas percepções são, de uma forma, criações, e suas memórias são parte de uma imaginação sempre em movimento”. Esse é o entendimento por trás das ações do Museu da Pessoa: todo indivíduo é autor da história. Assim, muda-se a visão de quem é importante e quem tem o poder para agir e mudar.

“Talvez por vir de uma família de imigrantes judeus, desde cedo percebi como a realidade pode ser compreendida e vivida de diversas formas, dependendo dos valores e da história de cada grupo. Também sempre me fascinou as pequenas histórias e o fato de ouvir os outros e entender como toda e qualquer pessoa tem a sua própria visão e hipótese sobre a realidade”, relata a historiadora Karen Workman, fundadora da entidade, ao explicar sua motivação para criar o Museu.

Apesar de, no início das atividades do Museu, a internet ainda não ser amplamente no país, a entidade foi definida como virtual e era organizada em base digital para dar a todos a oportunidade de ser autor, e não só consumidor de informações mediadas. A intenção era criar um novo espaço para construção da história e, partindo desse princípio, CD-ROMs interativos eram produzidos e distribuídos contando as memórias de times de futebol, sindicatos e mesmo do comércio.

Uma das primeiras ações foi o museu itinerante, onde cabines equipadas com vídeo e entrevistadores eram instaladas em lugares públicos para qualquer pessoa que quisesse contar sua história. Mais de duas mil cabines foram feitas em todo o Brasil. Com a popularização da internet, em 1997 foi criado o portal do Museu, o que aumentou o poder de interatividade das ações.

Entre as possibilidades do site estava o “Conte sua história”, permanentemente aberto para quem quer contar suas memórias ou de sua comunidade. Porém, ainda era preciso mais, já que uma minoria da população tem acesso a internet. O Museu então passou a disseminar sua metodologia e práticas.

Começaram os programas “Agentes da história”, onde pessoas da terceira idade eram treinadas para entrevistar outros idosos; e “Memória local”, focado em alfabetização e inclusão digital em escolas públicas, além de treinamento de multiplicadores em comunidades e organizações da sociedade civil. O Museu ainda investiu em outras mídias para disseminação do seu trabalho como em publicações, exibições, rádio e televisão.

Metodologia made in Brazil 

Com o crescimento no Brasil, o Museu alcançou seu objetivo maior que era a criação de uma rede global de histórias. Portugal, Estados Unidos e Canadá ganharam suas versões do projeto. Esses novos núcleos são autônomos, auto-sustentáveis, mas ligados por uma metodologia e objetivos comuns.

De acordo com a Ana Nassar, responsável pelas relações internacionais do Museu, "a formação de cada núcleo internacional ocorreu de uma maneira diferente. Porém, em todos os casos, fomos procurados por pessoas interessadas em 'importar' a idéia para seus países”. Em 1999, veio o interesse português, através da Universidade do Minho, em Braga. No ano seguinte, o Museu ganhou forma nos Estados Unidos e, em 2004, foi oficialmente inaugurado o de Montreal, Canadá.

Os Museus não seguem um modelo rígido de implementação. Cada um desenvolve os projetos mais adequados às comunidades que os rodeiam. “Os principais valores que guiam a rede internacional são os de que qualquer história de vida tem valor e de que a memória deve ser utilizada como uma ferramenta para o desenvolvimento social e cultural, promovendo a paz e o diálogo”, esclarece Ana Nassar.

O intercâmbio promovido pela rede de Museus da Pessoa possibilita a realização de projetos comuns e a realização de campanhas internacionais sobre temas relevantes, permeadas pela questão da memória e da história de vida. “Todos ganham”, resume Ana.

O mais recente projeto entre núcleos é o “Memórias da Literatura”. “É uma proposta de incentivo à leitura, que tem como objetivo destacar as experiências de autores e leitores e suas relações com a leitura ao longo da vida, mostrando a diversidade da produção literária em língua portuguesa em diversos países”, conta a relações internacionais do Museu. Ela ainda acrescenta a intenção de promover uma integração entre os países lusófonos, através da difusão da literatura produzida por seus autores.

Para Ana, a criação de Museus da Pessoa em outras partes do mundo significa que mais pessoas irão valorizar as histórias de vida e utilizá-las em prol da paz e do diálogo entre os povos e culturas. “Também é um reconhecimento do trabalho feito por nós e uma maneira de fortalecer nossa missão internacionalmente”, admite Nassar.

Atualmente, um grupo palestino está interessado em formar um núcleo. Eles são ligados ao projeto Across Borders, que visa criar uma comunidade virtual para ligar palestinos vivendo em campos de refugiados. “Eles já trabalham com o registro de histórias de vida e fazem um trabalho maravilhoso em uma região onde as histórias podem fazer muito pela paz”, conta Ana.

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Fonte: Revista do Terceiro Setor, Rets.org.br, 9/03/2007.
Disponível em:
http://arruda.rits.org.br/