"Isso não é a
cura", diz médico paulista sobre tratamento com célula-tronco
Para Voltarelli,
tratamento para diabetes 1 com célula-tronco é "caro e complicado" e
número
máximo de voluntários é 30 por ano. Equipe da USP de Ribeirão quer
desenvolver célula que
silencie sistema imune do paciente para evitar uso de quimioterápicos
em testes.
Fabrício Freire Gomes
Na semana passada, o médico paulista Julio Cesar Voltarelli, 58,
recebeu cerca de 200 e-mails por dia de pessoas que buscam a "cura"
para o diabetes tipo 1. Apesar do sucesso da pesquisa, Voltarelli
(que descobriu há um ano ter diabetes tipo 2) se nega a falar em
"cura" e diz não acreditar que sua técnica será implantada em larga
escala.
O pesquisador passa a maior parte de seu dia em uma sala do
Hemocentro, em Ribeirão. O computador, livros e pastas de documentos
se misturam com os desenhos e fotos das filhas -Lisa, 18, e Clara,
12.
De lá ele concedeu a seguinte entrevista:
Folha de SP - Como surgiu a técnica de usar o autotransplante
de células-tronco para barrar o diabetes?
Julio Cesar Voltarelli - A técnica é a mesma usada para outras
situações como a leucemia. Ela foi desenvolvida fora. Em 1997, já era
utilizada nos Estados Unidos e na Europa. Em 2000, com a participação
do norte-americano Richard Burt, decidimos tentar fazer no Brasil.
Inicialmente focava três doenças: lúpus, esclerose múltipla e
esclerose sistêmica. Em 2001 fizemos o primeiro transplante
auto-imune para lúpus no HC. O paciente está sem usar medicação há
seis anos.
Quando sua equipe começou os primeiros testes para adaptar a
técnica para o diabetes tipo 1?
- Final de 2003. O primeiro paciente estava cumprindo pena na
Penitenciária de Serra Azul. Depois de várias discussões éticas e
morais, decidimos fazer o transplante nele. Foi feito em janeiro de
2004. Só que não funcionou.
O fato de o primeiro não ter funcionado não desanimou o grupo de
pesquisadores?
- Não. Quando uma coisa não dá certo, você tenta analisar o que
aconteceu. No caso dele tem duas possibilidades. A primeira é que ele
tomou corticóides [substância utilizada para prevenir alergias
durante o tratamento]. Isso é ruim para o diabetes. A segunda é que
ele entrou no hospital já num estágio muito grave. Foi aí que
substituímos o corticóide e escolhemos um grupo que nunca teve o coma
diabético.
Qual é o risco envolvido no transplante?
- O risco de morte é muito baixo, mas pode ocorrer. A quimioterapia é
muito forte. O risco principal, no entanto, é uma infecção porque a
terapia bloqueia o sistema de imunidade do paciente. Teve um paciente
nosso que teve uma infecção grave e quase morreu, mas foi recuperado.
E agora, quais são as próximas etapas do experimento?
- Esse número de 15 é pequeno. O ideal era fazer com uns 50. Foi o
que nós pudemos fazer, apesar de mais de cem terem sido
entrevistados.
O limite para a técnica funcionar tem que ser mesmo seis semanas
da descoberta do diabetes 1?
- É um
limite arbitrário. A questão é a seguinte: quando você desenvolve os
sintomas do diabetes, significa que você tem uma quantidade de
insulina muito baixa. Quando você está lá na frente, você não tem
mais nenhuma célula que produz insulina. A partir do zero, precisa
injetar uma célula para refazer o pâncreas. As células-tronco que eu
coloco lá não refazem. Isso é um mito.
Quando o procedimento poderá ser feito em larga escala?
- O paciente fica três meses aqui. É longo, é caro, é tóxico, é
complicado. Não vai servir para tratar todos diabéticos do mundo. Não
pode fazer em qualquer hospital. Primeiro, precisa ter um transplante
de medula óssea funcionando. Na região de Ribeirão, o único é o do HC.
São dez leitos para a região inteira. Como eu vou tratar mil
diabéticos? É impossível. Não é um tratamento de massa. Fizemos 15 em
três anos. Se eu usar todos os meus leitos eu posso fazer, no máximo,
30 por ano. É pouco. Em massa é difícil fazer. Nós estamos tentando
fazer a mesma coisa sem precisar de quimioterapia. Nós estamos
tentando usar algum tipo de célula-tronco que faça a imunossupressão
por si só. O paciente não precisaria ser internado. Estamos
desenvolvendo essa técnica com uma célula mesenquimal [que origina os
vasos e alguns tipos de tecido] . É um novo projeto. É a nossa
aposta.
Qual é o custo médio do tratamento?
- O SUS paga R$ 14 mil por paciente. O custo fica entre R$ 20 mil e
R$ 30 mil.
Já dá para usar o termo cura para o diabetes tipo 1?
- De
jeito nenhum. Eu nego peremptoriamente que esteja falando de cura.
Cura significaria o indivíduo nunca mais ter chance de desenvolver a
doença. Na realidade, tivemos um paciente que voltou [a tomar
insulina. Depois de um ano, ele teve uma infecção viral e a doença
voltou.
Se não é cura, como pode ser definida a técnica?
- Resposta clínica. Se esta resposta vai ser permanente ou
transitória é que vai se definir. Se o paciente ficar sem insulina o
resto da vida, é cura. Eu controlo a diabetes com dieta e comprimido.
Não tomo insulina porque o tipo 2 só toma na fase final da doença.
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Fonte: Folha de SP, 19/4. Reproduzido pelo JC e-mail 3247, de
19/04/2007.
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=46257